O tempo, ou pelo menos a noção dele, sempre fez parte do cotidiano da humanidade. Uma relação íntima, leal. Relação que exigiu aperfeiçoamento, observação, classificação, desdobramentos. Dia e noite. Manhã, tarde, noite. Horas, minutos, segundos. Bebês, jovens, adultos, idosos. Tudo se encaixando nas entranhas do tempo onde homem fez morada, mas nunca foi dono.
Somos todos hóspedes, porém, nas coisas do tempo, ninguém pode mexer. Os melhores dias findam-se na mesma velocidade dos piores, muito embora, nossas emoções gostem de nos dizer o contrário.
Segundas-feiras chatas, com chuva e rotina desbotada, são exatamente iguais aos domingos de sol no parque assistindo o melhor da liberdade entre amigos e família.
Ontem cheguei em casa depois de dois dias fora e procurei pela Lavínia que eu queria ver. Um bebê de formas arredondadas, de sorriso gracioso, que tudo fazia brilhar sem nenhum dente. Pernas grossas que não sustentavam seu próprio peso e que pouco serviam para caminhar, mas eram especialistas em chutar os pais nas noites mal dormidas. Essa Lavínia não estava lá.
No lugar dela tinha uma mini moça tirando o cabelo do rosto, que me puxou pela mão para mostrar sua mesa de atividades cheia de sinais do seu trabalho árduo de rabiscar e bagunçar. Pediu-me um beijo articulando as frases com seu modo, driblando as curvas entre “P” e “T”, conjugando verbos em idioma próprio tão estranho aos outros, mas perfeitos para os pais.
Depois de dois anos e três meses parece-me que fui acometido por um sentimento que dizia que uma fase acabou e outra, tão bela e desafiadora quanto, começou. Entrego as palavras a este texto como forma de recibo de ciência, de arquivo que pretendo guardar com carinho para nunca me esquecer de como fui feliz sendo pai.
Nossa arrogância humana conseguiu colocar o tempo dentro do relógio, mas, ainda assim, ele não parou, no máximo, podemos apelar para memória. Sou grato por isso, grato por cada dia, cada fase. Grato por estar aqui.